Entrevista – Mike dos Santos

Um dos pilotos virtuais mais experientes e vitoriosos do mundo, o paulista de 28 anos conta suas histórias e relata como o AV esteve ao seu lado até nos momentos mais difíceis

Por Leonardo Felix

Com mais de 10 anos de experiência em corridas online, Michael Leite Teixeira dos Santos, ou simplesmente Mike dos Santos, é um dos mais experientes pilotos virtuais do mundo. Aficionado por velocidade desde a infância – o que deve ter sido herança genética do pai, que era kartista -, Mike já competiu em praticamente todas as ligas brasileiras, utilizando os mais variados veículos e simuladores. E sempre como um dos favoritos a vitórias e títulos. No F1BC, foi coroado campeão da Fórmula Classic, na temporada 2 de 2009, com a Ferrari 312T4 de Gilles Villeneuve, do mod de 1979.

Suas marcas registradas são a versatilidade e a grande capacidade de rápida adaptação a qualquer tipo de carro ou pista. O talento natural do paulista de 28 anos o levou a ganhar respeito e a admiração de entusiastas do AV em nível internacional. Tanto que sua impressionante estatística de mil Grandes Prêmios disputados pela liga Race2Play, onde corre atualmente, atingida em março deste ano, ganhou destaque e repercussão entre pilotos de várias partes do globo.

Além de acelerar como poucos, Mike é sócio do site de transmissões de corridas virtuais Race Brasil. Ele também atua em uma produtora de vídeos de eventos de kart e automobilismo em geral e presta assessoria a pilotos que precisam instalar simuladores em suas casas. Com toda essa cancha e vivência no meio, o piloto fala com propriedade que acredita em um crescimento ainda mais elevado do automobilismo virtual para os próximos anos.

Automobilismo virtual a quem Mike dos Santos deve muitos agradecimentos. Vários grupos ligados ao AV se mobilizaram no momento em que o piloto mais precisou de apoio, quando sua mãe, Margarete, sofria com um câncer em estágio avançado e precisava de cuidados especiais. À época, as ligas F1BC, VPG, BrSD Xtreme e rFactor Brasil realizaram corridas for fun, transmitidas pela Race Brasil, cujas inscrições foram todas revertidas para o tratamento. “Esse apoio me surpreendeu de forma astronômica”, confessou.

Por tudo isso, Mike dos Santos foi o escolhido para esta edição do Lucky Dog. Na entrevista, ele conta em detalhes essas e outras histórias e relata o desejo de manter uma vida intrinsecamente ligada ao automobilismo.

F1BC – Como foi a sua primeira experiência com o automobilismo virtual?
Mike dos Santos – Contando como automobilismo virtual um jogo qualquer de corrida, foi em 1993, com o jogo Indy Car 2, para computador.

F1BC – E você sempre gostou de automobilismo, desde criança? Começou a simular por já gostar de automobilismo ou passou a gostar de automobilismo por começar a jogar?
MS – Na verdade eu já estou no meio do automobilismo desde que nasci. Meu pai era piloto de kart e trabalhava como chefe de boxes na Fórmula 1. Então eu sempre tive contato com a pista e o esporte.

F1BC – Você chegou a frequentar o paddock dos GP’s do Brasil e a conhecer os pilotos?
MS – Eu cheguei a conhecer, mas era muito criança, então eu não recordo muito bem. Mas cheguei a conhecer diversos pilotos, como [Nelson] Piquet, [Nigel] Mansell e [Ayrton] Senna. Mas foram contatos só de tiete mesmo, pedir autógrafo, tirar foto, nada muito aprofundado.

F1BC – Como você descobriu o universo das competições online?
MS – A competição online eu conheci através do Need For Speed Underground, que não era um simulador, mas foi onde eu comecei a competir contra outras pessoas.

F1BC – E com simulador, você começou em que época?
MS – Com simulação de corrida, eu comecei com o Toca Race Drive 2, eu acho, não lembro se foi o 2 ou o 3, mas isso foi em meados de 2000.

F1BC – Desde então, você compete online sem interrupções ou ficou algum período sem praticar?
MS – Desde que eu conheci o Toca Race Drive, que permitia 12 carros juntos no mesmo servidor, eu acabei sempre disputando corrida com outras pessoas. Sempre que você começa a competir com outras pessoas, é meio difícil você querer disputar contra a máquina, né?

F1BC – Já faz mais de 10 anos que você compete e, portanto, é um piloto muito experiente. O que você já conquistou de campeonatos desde essa época e quais são suas melhores lembranças, o campeonato que você mais gostou de participar?
MS – Eu já tive alguns títulos no próprio Toca Race, quando era o início da liga VPG. Depois disso, passei por muitas ligas. Eu acredito que, de todas as ligas nacionais, a única onde eu não tenho título é a rFactor Brasil. Nas demais, sempre tive boas oportunidades de disputar títulos. Às vezes, nem tanto por conseguir muitas vitórias. Um exemplo é a extinta GT3, da BrSD, categoria da qual eu fui campeão sem nenhuma vitória. Então eu prezo muito também pela constância. E fora do país eu disputo campeonatos da liga Race2Play e lá eu já tenho 38 títulos, em todas as categorias que a liga oferece: carros esportivos, turismo, fórmula, stock car e off road.

F1BC – Você, obviamente, já experimentou vários simuladores. De todos os que você andou, qual você preferiu?
MS – O mais próximo à realidade, onde eu me senti muito bem pilotando, mas não era tão bom online, era o NetKar Pro, que eu usei ano passado para competir na Race2Play. Ele é muito, muito próximo da realidade. Eu acho que é o que mais se aproxima da realidade, em termos de carro de corrida mesmo. A equipe Race Brasil acabou campeã de construtores no campeonato de Fórmula 3000 e eu fui vice-campeão de pilotos.

F1BC – Quanto ao estilo de tocada dos carros, qual você prefere guiar?
MS – Eu vou te dizer que eu não tenho uma preferência. Eu gosto de todos os estilos de carros, inclusive rali eu gosto bastante. Cada carro é uma pilotagem completamente diferente. Mas, se fosse para escolher um carro que eu mais gosto e que eu sinto bastante conforto em pilotar, é a BMW E90, que era o carro de turismo usado pelo [Augusto] Farfus no WTCC.

F1BC – Com relação ao automobilismo virtual, você passou a trabalhar também com transmissão, através da Race Brasil. Como você entrou nessa área?
MS – Começou por acaso. Quando eu vim morar nessa casa onde eu estou agora, acabei comprando um computador novo. Na mesma semana, eu encontrei o Fabrício [dos Santos], não me lembro agora se foi no TS ou no MSN. Ele era piloto da VPG e, numa conversa sem maiores expectativas, eu disse para ele que eu gostaria de tentar gravar um clipe de uma corrida minha. Aí ele perguntou o equipamento que eu tinha e se eu não toparia tentar fazer uma transmissão ao vivo. Ele me passou como faria, nós fizemos e o resultado superou nossas expectativas, achamos que ficou bem legal. Daí para frente, nós resolvemos fazer alguns testes. Fizemos uma temporada inteira de teste, inteiramente grátis para as ligas. A partir disso, nós aprendemos bastante e, graças a Deus, temos mais de dois anos trabalhando e acredito que, por levarmos a sério o nosso trabalho, o pessoal reconhece e prima por um trabalho de boa qualidade e está ao lado da Race Brasil. Infelizmente, a gente ainda não tem uma equipe tão grande para dar conta de todas as ligas que nos procuram, mas a gente tenta fazer, ao máximo, dentro das nossas possibilidades, o melhor para o pessoal que curte automobilismo virtual. Isso é uma coisa que, na minha época, não tinha. Eu já gostava sem ter nada disso e imagino que hoje as pessoas fiquem muito mais admiradas com a realidade que a gente tenta trazer para o automobilismo virtual.

F1BC – Agora, trabalhar na Race Brasil te proporcionou situações como a Campus Party do ano passado, onde você ficou de macacão dando demonstrações de simulação virtual para a galera. Relate como foi a experiência.
MS – A Race Brasil foi convidada a ter um espaço na parte de simulação, para expor os cock pits, como funciona a simulação e a transmissão. Tanto que eu também fiz transmissão ao vivo de lá. A gente teve uma parceria com a Dolly, que mandou fazer macacões para a gente. Então a gente ficou lá, realmente, de macacão e fazendo demonstrações nos simuladores. Tem até fotos no site da Race Brasil. Foi muito bacana e o pessoal se impressionou bastante – até por a gente estar de macacão ali -, e viu que é uma coisa mais séria que um mero videogame, né? Foi muito boa a repercussão da Race Brasil na Campus Party e nós ganhamos muitos novos pilotos para o automobilismo virtual a partir daquela data.

F1BC – Como você vê hoje o crescimento do AV, com relação à época em que você começou? Para você, isso tende a se expandir ainda mais ou o AV já foi até onde tinha de ir?
MS – Não. Na minha opinião, o AV tem muito a crescer ainda pelo seguinte: tem muitas pessoas que ainda não sabem da existência do automobilismo virtual. Como eu tenho contato em pista com pilotos e preparadores, eu vejo que muitas pessoas que participam do próprio automobilismo real não têm contato com nenhum tipo de simulação. Muita gente que pilota, por exemplo, acha que o Play Station 3 é o que há de melhor em termos de simulação. Como eles não têm contato com computador, eles acabam não conhecendo o universo disponível hoje para a simulação. Isso já está mudando. Já tem pilotos e equipes que começaram a enxergar isso de outra forma. Muitas equipes já têm seu próprio simulador, então, realmente, dentro do mundo do automobilismo, isso está crescendo e vai se espalhar pelos fãs do automobilismo em breve.

F1BC – Você trabalha também com o automobilismo real, certo? Explique para a gente como funciona esse teu trabalho.
MS – Eu tenho uma produtora, então trabalho muito com corridas de kart e alguns eventos de automobilismo. O trabalho que eu faço é filmar as provas, editar o material e depois vender para os pilotos. Também tem um segundo trabalho que os próprios pilotos me fizeram ter, que é o de prestar assessoria para simuladores. Por exemplo: um piloto quer instalar um simulador em casa, mas não tem conhecimento nenhum sobre isso. Então eu vou até a casa dele, instalo os equipamentos necessários de computador, do próprio simulador, configuro tudo o que precisa para que ele só sente e simule. Isso começou porque muitos pilotos me ligavam e pediam informações por telefone, então eu acabei agregando mais esse trabalho também. E é legal, porque a gente vê como os pilotos precisam de uma coisa que, muitas vezes, a gente encara como uma brincadeira, mas não é.

F1BC – Hoje você vive só desses trabalhos, ou tem alguma outra atividade?
MS – Hoje, realmente, eu dependo desses trabalhos. Das filmagens de kart, da Race Brasil e da assessoria de simuladores.

F1BC – Mudando para um assunto meio complicado. Você, recentemente, perdeu a sua mãe, Margarete, que faleceu devido a um câncer. Na época em que ela ainda estava em tratamento, houve uma mobilização muito positiva das pessoas ligadas ao AV em prol dela. Como você viu essa resposta dos praticantes do AV? Surpreendeu o tamanho apoio que você recebeu?
MS – Vou ser bem sincero para você. Me surpreendeu de uma forma astronômica. Às vezes você acha que tem um problema e que só você tem que lidar com ele, que as pessoas não vão se importar, mas eu recebi inúmeras ligações, e-mails e muitas ajudas. Mais uma vez, eu agradeço a quem ajudou, independente de valor. Em praticamente duas semanas – eu não precisaria nem falar em números, mas eu vou falar, até para citar como eu usei o dinheiro realmente todo em prol da minha mãe e tentei de tudo que dava para fazer para recuperá-la – eu arrecadei quase R$ 5 mil.

F1BC – Valor expressivo mesmo. E você precisava bastante para o tratamento, né?
MS – Foi fundamental. Na verdade, como eu já tinha explicado à época, o problema todo não era só a minha mãe estar doente. Como ela estava muito mal, não podia ficar sozinha e meu padrasto acabou deixando o emprego para ficar com ela. Essas doações que vieram foram muito importantes para acertar contas atrasadas, comprar remédios e muitas outras coisas, já que estávamos próximos do natal. Então isso acabou confortando, de certa forma, a família.

F1BC – Na época, você tinha me falado que ficaria responsável por seus quatro irmãos mais novos. Como está a situação, a sua família já conseguiu se reestruturar e colocar a vida nos eixos?
MS – Na verdade, eu mesmo moro com meu pai. Meu irmão de 22 anos mora sozinho e a gente está tentando dar uma força para os três mais novos, que têm 10, nove e seis anos, e para meu padrasto. Mas, aos poucos, a vida vai tomando seu rumo novamente. Lógico que a gente nunca esquece, mas a gente também sabe que a vida segue e não para. Então, na medida do possível, está tudo bem, bem com as crianças, e vamos tocar o barco para frente.

F1BC – Voltando a falar do automobilismo. A tua intenção é continuar carreira com automobilismo e com AV, fazer carreira nisso mesmo ou deseja ingressar em outra área?
MS – Eu gosto muito do que eu faço. Então eu pretendo continuar com a Race Brasil e com o automobilismo. Às vezes, é um trabalho meio ingrato, porque em um momento você tem muitos clientes e em outro, não tem nenhum. Mas eu acredito que tudo que você faça com vontade, porque gosta de fazer, uma hora a gente tem a recompensa por fazer a coisa direito e de uma forma honesta. Então, eu espero seguir, sim, com a Race Brasil, junto com o Fabrício, com você, e que a gente possa chegar a um patamar, um dia, de poder viver aí só com os ganhos da Race Brasil, né?