Entrevista – Fernando Passos

O piloto mais experiente do F1BC relata sua trajetória no clube e conta como o automobilismo virtual lhe proporcinou criar fortes laços de amizade com outros membros de longa data

Por Leonardo Felix

Se alguém pudesse ser escolhido para “personificar” a velha guarda do F1BC, provavelmente esse alguém seria Fernando Passos. O carioca de 32 anos já se tornou uma entidade, com marca registrada e patente lavrada em cartório de pertencimento ao clube. Não é por menos: desde setembro de 2007, Passos já participou de 270 Grandes Prêmios, contabilizados até o fim da T1 de 2011. Recorde absoluto, que supera inclusive o número de corridas de Rodrigo Wizard, o fundador da bagaça

De lá para cá, Fernando obteve um título na Fórmula Light, na T2 de 2009, uma dezena de vitórias, vários pódios, o respeito da maioria dos membros do F1BC e o apelido de “dinossauro supremo”. Quem não conhece a história do funcionário de empresa terceirizada no clube e se deixa levar por seu jeito polido e humilde (até demais) de falar, até acredita que se trata de um iniciante dando os primeiros passos no AV.

Em entrevista para o “Lucky Dog” da quinzena, Fernando Passos relata um pouco de sua vasta trajetória na liga e de sua identificação com o automobilismo em geral, passando por experiências vividas na pista e pela formação de amizades fora dela. “Para mim, isso é um ambiente familiar e de confraternização”, considera.

Casado há seis anos e pai de Ana Beatriz, 5, Passos fez jus ao comportamento discreto, solicitando, antes da entrevista, que não houvesse foco em sua vida pessoal. Mas não demorou para que o piloto da Overmind confessasse como um problema particular (sua avó passava por sérias dificuldades de saúde) tornou uma vitória sua em Fontana, pela T2 de 2009 da Indy Pro, na mais importante e emocionante da carreira.

F1BC – Pela sua idade, você cresceu numa época em que o Brasil vivia uma grande fase na Fórmula 1, com [Nelson] Piquet e [Ayrton] Senna. Foi daí que surgiu seu interesse por automobilismo?
Fernando Passos – Foi por aí mesmo. Eu comecei a acompanhar a Fórmula 1 em 1986. Eu lembro que isso marcou para mim, porque foi numa corrida onde o Senna havia ido muito bem, correndo com aquela Lotus preta [com o patrocínio da] John Player Special. Acho que foi em Detroit, não lembro ao certo. A partir daí, eu comecei a acompanhar e surgiu essa fascinação pelo automobilismo.

F1BC – E você torcia pelo Senna ou pelo Piquet? Ou pelo [Alain] Prost (risos)?
FP – Eu torcia pelo Nelson e pelo Senna. Eu era mais aquele torcedor brasileiro mesmo, então para mim não importava qual dos dois se desse bem. Ainda mais porque eu não conhecia muita coisa, né?

F1BC – Você acompanhava outras categorias?
FP – Nessa época, só a Fórmula 1 mesmo.

F1BC – Tem alguma corrida que tenha te marcado dessa época?
FP – Poxa, foram tantas corridas que fica até difícil citar uma em específico. Das antigas, eu gostei bastante de Canadá em 1988. Tem mais antigas até, como aquela de Jerez [em 1986], onde o Senna disputou com o Mansell. Jerez 87, também, onde o Senna ficou segurando toda a galera, até o Prost, com pneus desgastados. E não tão antiga assim, põe aí Donington 93, que eu acho que foi muito legal.

F1BC – Você pegou o final da época de ouro do Brasil na Fórmula 1, por assim dizer. E a gente sabe que muita gente acompanhava mais por causa do Senna e muita gente se desiludiu com a morte dele e parou de acompanhar. Isso chegou a acontecer com você, ou você já estava com aquilo arraigado e continuou curtindo, mesmo sem ter um brasileiro andando na ponta?
FP – Para mim, houve logicamente o baque do falecimento. Mas na corrida seguinte eu já estava lá de novo sentado na frente da TV, assistindo no domingo de manhã. Porque está na veia, né? Então, para quem é apaixonado por automobilismo, não tem essa. Infelizmente, o piloto corre esses riscos, o que por sinal está até mais seguro hoje, né? Mas a paixão pela velocidade, o gosto pelo automobilismo não se apaga por fatos assim.

F1BC – E eu vou fazer para você uma pergunta bem clichê, mas que eu nunca fiz para ninguém nesse quadro ainda. Onde você estava no dia da morte do Ayrton Senna?
FP – Fico agradecido por ser o primeiro a ter que responder isso (risos). Eu me lembro bem, porque isso me marcou, lógico. Eu estava em casa, sentado na frente da televisão, com um pedaço de pão em uma mão e um copo de café na outra e assistindo à corrida. Eu tinha acabado de acordar. Depois do acidente, o café não descia mais, o pão não descia mais…

F1BC – Foda. Bem foda mesmo. Mas como você encara a situação dos brasileiros que vieram depois do Senna na Fórmula 1? Primeiro naquele hiato dos anos 90, em que só tinha brasileiro correndo em equipe pequena ou média, e depois com o [Rubens] Barrichello e o [Felipe] Massa na Ferrari. Você ainda torce por eles como antes?
FP – Olha, Léo, a situação dos brasileiros hoje em dia é um pouco tensa, na minha opinião. Não pelos que estão lá, mas sim pela falta de investimento que os nossos futuros talentos deveriam ter para alcançar a Fórmula 1, passando por todo o percurso necessário, pelas categorias europeias e tudo, onde você precisa de apoio. Hoje em dia, está muito mais difícil e isso acaba minando as esperanças de, quem sabe um dia, nós voltarmos a ver um piloto lá brigando por títulos, ano após ano. Agora, esse hiato que teve [nos anos 90] foi até importante você mencionar. Porque eu sou fã do Rubens. Eu compreendo e entendo as condições que ele tinha na época de Ferrari e a diferença de talento entre os dois, [Barrichello e Michael Schumacher]. Eu não sou aquele fã que fica cego, só vê qualidade e não vê defeito. Agora, ficou tudo sobrecarregado em cima dele, entendeu? Tanto que, depois, quando apareceu o Felipe em manchetes de revistas italianas, mostrado como o novo Senna, acredito que não somente eu, mas uma boa quantidade de pessoas ficou esperando algo a mais. E depois daquela estreia dele na Sauber e do ano sabático que ele teve, a gente ficou meio desconfiado, né? E o Rubens saindo da Ferrari e ele entrando, todo mundo pensou: “pô, ele vai ser um segundo Rubens”. Mas o garoto está aí, mostrando serviço. Está difícil, a situação dele não é fácil. Mas é mais difícil ainda para o futuro, para os nossos próximos talentos.

F1BC – Mas você acha que hoje o Massa passa por uma situação diferente que o Barrichello, em termos de cobrança?
FP – Acho. Eu acho que o Massa é muito mais cobrado que o Rubens.

F1BC – Interessante essa sua opinião, porque a maioria das pessoas afirma o contrário, que o Barrichello é que sempre foi mais cobrado que o Massa. É um ponto de vista diferente.
FP – Sabe por que eu digo isso? Nunca houve aquela situação em que o Barrichello ficasse com o seu lugar ameaçado na Ferrari, como sempre acontece com o Massa, de a toda hora ter uma ameaça de colocarem outro piloto no lugar dele. Eu lembro que chegava o GP da Itália, onde geralmente a Ferrari faz anúncios importantes, ou em alguma outra prova do meio da temporada, eles já renovavam o contrato com o Barrichello por mais dois anos. Então essa é a minha concepção.

F1BC – Entendi. Agora, com relação ao automobilismo virtual, eu acredito que teu caminho tenha sido parecido com o dos outros. Você lembra com que jogo ou simulador você começou?
FP – Cara, isso foi na época do Atari, daquele Enduro (risos).

F1BC – Caralho, agora você foi longe, hein? (risos)
FP – É (risos). Foi ali que começou. Eu só pedia jogo de corrida para o meu pai. Era o Enduro, o Grand Prix, e aí foi.

F1BC – Isso foi em que ano?
FP – Nossa, eu não lembro. Mas foi tudo muito perto, em um mesmo ano. Foi assim: eu ganhei o Atari, aí eu ganhei o Enduro e logo depois ganhei um autorama. E foi tudo assim, só coisa derivada do automobilismo.

F1BC – E em computador, quando você começou?
FP – Foi na época do GP1. Acho que foi em 90 ou 91, não lembro. Aí pulei para o GP2 e GP3. Até que eu perdi o GP3, porque deixei o CD com um amigo e nunca mais recuperei. E aí veio o F1 Challenge e eu fiquei até migrar para essas atualidades que nós temos hoje, o rFactor e o iRacing.

F1BC – Conte para nós quando e como começou a sua experiência em competições online.
FP – É uma história até engraçada. Isso foi em 2004. Eu conhecia já o Rodrigo [Wizard] e a gente sempre conversava muito sobre a comunidade Fórmula 1 Brasil.

F1BC – Você participava da F1 Brasil? Eu não lembro de você.
FP – Assim, eu sempre fui muito reservado. Até hoje, eu não fico muito postando em fórum do F1BC, nada. Mas eu conversava com o Wiz e um dia fui deixar uma mensagem para ele via Orkut e vi um recado de alguém falando sobre coisas de jogo e tal. Aí eu me interessei e perguntei a ele e ele me falou sobre o clube e perguntou se eu estava a fim de participar, me apresentou o mod, que na época era um do ETCC. Aí ele me passou as instruções, eu instalei na minha máquina e dei minha primeira volta – eu nunca vou me esquecer disso – em Magny-Cours, com um carro da Audi. Nossa! Eu rodava que nem um peão, Léo, [correndo] de tecladinho. Cada curva era uma rodada. Aí o Rodrigo ia lá e me ajudava: “olha, acerta primeiro aqui o bloqueio de direção”, e eu pegava as dicas dele e aos poucos fui acertando. Até que chegou o dia da etapa, que era sábado à noite, se não me engano. Você deve se lembrar das nossas reuniões naquela época.

F1BC – Claro, eu lembro sim. É que eu parei de competir no campeonato exatamente anterior a esse.
FP – É, eu lembro. Mas isso foi em setembro de 2007, que foi quando eu entrei e começou a saga, por assim dizer.

F1BC – Mas como foi seu desempenho na primeira prova? Foi em Magny-Cours, também?
FP – Isso. Na primeira bateria, acho que eu cheguei em último (risos). O Rodrigo capotou, para variar (risos). Na segunda prova, eu fiz um pódio, chegando em terceiro.

F1BC – Essa foi a primeira de mais de 270 corridas que você tem no F1BC, que resultaram inclusive em um título no clube, né? Como foi isso?
FP – Foi em 2009, Léo. Acho que na T2 de 2009, já através da plataforma rFactor. Teve uma divisão da categoria Formula em Pro e Light nessa temporada. Na época, eu tinha uma máquina muito antiga e não possuía volante para jogar, eu jogava de joy. E jogar de joy stick no nível de uma categoria Pro era difícil, muito complicado. Aí eu aceitei ir para a categoria Light, sem problemas. Fiquei meio assim, mas resolvi encarar. Comecei a tentar andar de teclado no rFactor e foi tenso demais. O mod da Light era o da GP2. A partir daí eu resolvi montar uma máquina nova, fui comprando as peças e montei em dois dias. Aproveitei o embalo e comprei um volante também. Aí eu comecei a treinar para me adaptar ao volante. Só que as primeiras semanas foram horríveis. Eu queria jogar o volante fora, porque achava que tinha feito uma péssima compra. Eu era mais rápido de teclado que de volante. Essa sensação era horrível. Mas eu fui me adaptando, fui me dedicando e consegui ter êxito em algumas provas, especialmente em ovais. Nos mistos eu não era o mais rápido, tinha pilotos mais rápidos do que eu, mas nos ovais eu conseguia andar bem e acho que isso acabou me favorecendo naquele campeonato. Foi o campeonato em que eu mais me dediquei, pelo fato de eu ter que me adaptar ao volante. Mas depois disso eu voltei a ser o que eu faço hoje em dia (risos).

F1BC – Até parece. Você tem 10 vitórias, vários pódios, seus números não são nada ruins. Desses tantos GP’s, tem algum que te marcou?
FP – Tem, sim. Tem um da Indy Pro, em 2009, que foi na pista da Califórnia. Porque foi um momento muito particular meu, eu estava enfrentando um problema sério na família. E minha esposa, na época, foi sensacional comigo. Eu vou te abrir o que aconteceu: minha avó, que já é falecida, na época estava internada no hospital e eu estava passando a semana inteira naquela rotina de trabalho, casa, hospital. Ela estava numa situação muito complicada, tinha sido transferida para o quarto do hospital, mas, por recomendação médica, não poderia ficar sozinha. Então eu ficava acompanhando ela e minha esposa dividia comigo os horários. Por causa disso, eu não tinha treinado nada para a corrida que ia ter. E minha esposa falou para mim no dia: “vai para casa e pode correr para arejar a mente, que eu fico aqui”. E antes de eu sair ela ainda falou: “eu vou assistir à corrida daqui”. Então eu deixei o notebook com ela e ela acompanhou de lá. Larguei lá do fundão, mas as coisas foram acontecendo e eu fui lá para frente. Eu sabia que tinha gente mais rápida que eu, como o próprio [Fábio] Neris, que estava poupando bastante o equipamento, enquanto eu não. Mas acabou que eu levei a etapa, porque teve uma bandeira amarela em que todo mundo foi para o box, mas meu irmão Kola (Sérgio Kolachinski) e o [André] Cozza me falaram que o combustível dava até o fim. Aí eu falei: “então eu vou agarrar aqui na linha de baixo e tentar levar essa”. E foi um momento que me marcou muito, principalmente pelo clima em que eu estava antes.

F1BC – Nossa. História marcante mesmo. Por falar em família, pelo que você sempre fala, o principal motivo que te “segura” aqui é o ambiente de amizade criado. Você deve ter competido contra muitos pilotos virtuais, mas formou amizades com o Kola, com o Wiz, que são amizades formadas lá atrás, no início do clube. Para você, tem como criar esse tipo de laço de amizade no ambiente atual do AV ou é algo que já ficou para trás?
FP – Eu acho que é possível, sim. Porque, por exemplo, eu conheci o Kola por causa de uma briga que a gente teve, que depois acabou gerando essa grande e maravilhosa amizade.

F1BC – Espera aí. Briga? Você lembra como foi isso? Quem tirou quem da pista (risos)?
FP – Poxa, rapaz (risos). Foi mais ou menos por aí, cara. Foi uma disputa e depois o Kola falou um monte de coisas no fórum (risos). Eu postei um comentário sobre o lance e acho que ele interpretou de outra forma e desceu a lenha no meu comentário. E eu li e pensei: “não tem nada a ver com o que eu postei”. Aí eu fui me retratar com ele, ele entendeu e nós começamos essa amizade que foi se fortalecendo. Tanto que hoje nós nos tratamos nem como amigos, mas como irmãos. Eu tenho acesso à família dele, ele tem acesso à minha. Então a nossa amizade ultrapassou barreiras absurdas, porque eu tenho mais amizade com ele do que com pessoas com quem eu convivo diariamente. E eu acho que tem a possibilidade de surgir uma amizade dessas hoje. Tendo em vista o nível de profissionalismo que se tornou o AV, com relação ao que eu e você pegamos no começo, o tratamento se tornou mais profissional. Mas eu acho que nunca vai deixar de existir esse lado pessoal e de valorização da amizade.

F1BC – No fim das contas, quem estava errado no incidente, você ou ele?
FP – Eu vou dizer que foi ele, porque ele acha que sou eu. Então vão ficar essas duas versões (risos).

F1BC – Eu acho que estou reabrindo a ferida da briga, hein (risos)? Mas, da mesma forma que você criou amigos, você teve desentendimentos que perduram até hoje? Chegou a criar alguma inimizade?
FP – Não. Inimizade, não. Eu sou uma pessoa família e que valoriza muito a amizade. A gente nem sempre agrada a todos, nem eu vou agradar. Mas eu boto minha cabeça no travesseiro e durmo tranquilo. Nunca me preocupei com isso. Se alguém não gosta de mim, fazer o que? Nesses anos todos, eu vi passar muita gente no clube. Lógico que, às vezes, a gente não tem a mesma amizade com uns do que com outros. Mas eu considero todos aqui uma grande família. É um grupo muito unido perante todas as situações e sempre eu vejo essa família do F1BC saindo de situações às vezes difíceis da melhor forma possível. Então, para mim, prevalece o bom convívio, sempre.

F1BC – Com a sua experiência, como você avalia o nível de competição hoje, com relação ao início?
FP – Está alto, muito alto, Léo. Eu até queria parabenizar o clube por ter alcançado o patamar que alcançou. É uma quantidade muito grande de pilotos ativos e também um nível muito alto entre eles. Hoje está difícil andar entre os 10 [primeiros] (risos).

F1BC – Eu sei bem como é isso (risos). Você ainda fica tenso antes das corridas ou já consegue correr relaxado, por toda a experiência que tem?
FP – Não, eu fico nervoso ainda. Principalmente quando eu estou em posições onde não esteja acostumado ficar. Se eu estou na frente, eu fico tenso, porque não é normal. Aí o pé já começa a tremer na pedaleira, aquela coisa toda (risos).